Picos e Pistas se
declina em homenagem ante a eminência do Esqueite Pernambucano, Patrício
Tavares. Realizamos uma cruzada em busca de grandes personalidades a
abrilhantar, com perguntas, este singelo registro. Patrício é detentor de
relatos preciosos sobre o nosso Esqueite, haja vista ter presenciado a evolução
irrestrita da “Tábua com Quatro Rodas”. Aceitável por excelência, ele flerta
com a música, a fotografia e empreendimentos, tendo como pano de fundo o que
nos move, Esqueite. Portanto, são essas vivências “Patrícias” que nos
debruçamos para trazer à tona a própria História do Esqueite.
(MAGUI) - Meu Amigo, você é um jovem
de 80 anos e grande incentivador do nosso santo “Carrinho”, com sua autoridade,
responda: quem é o câncer do skate pernambucano, os skatistas ou os proprietários de lojas?
P – Os dois. Há boas
lojas que são bem intencionadas, ganham e fazem pelo skate. Já tem outras que
estão aí só pra ganhar dinheiro, nunca dão um boné para campeonatos, não vou
citar nomes. Essas sim são o câncer do skate. Por outro lado, tem Neguinho que
enfraquece a cena. Observei que surgiram pessoas que se aventuraram a fazer
eventos se dão bem e vão embora. Nem respeitam o calendário alheio e ainda se
mostram intransigentes, esses são a metástase do skate. Há pessoas que vêm
trabalhando pelo skate sim como os meninos da 3OP (Três Otários Produções); não
é puxação de saco, não preciso disso. O Circuito Overal de Skate (COS) foi um
acontecimento no skate pernambucano e o Go Skate Day é uma celebração, tudo
capitaneado pela 3OP. Contudo, esses aproveitadores com necessidade de aparecer,
ganhar dinheiro e ter notoriedade, minaram a continuidade do COS. Apareceram
uma, duas, três, quatro associações em Pernambuco e nem se sabe quem são os
presidentes. Sem assembléia, sem acompanhamento e continuidade. Isso tudo causa
estragos imensuráveis ao nosso skate.
(CAPACETE) - Na sua época, sem meios
de comunicação e tecnologia como as que temos hoje, o esporte tinha mais
impacto nos olhos da sociedade porque nunca estava na mídia, etc. Te pergunto:
você acha que isso gerou uma certa rebeldia deixando os skatistas num grupo a
parte, talvez marginalizados, mas com identidade, união, linguagem única e sem
infiltração?
P – Certamente. O skate
sempre teve vida própria. Ele é marginal, ele é alternativo, ele é underground e
desde os anos 80 é visto dessa forma. Hoje por mais mídia que se coloque, ele é visto
à margem. Mesmo
que cresça, por mais que gere receita, por mais empresas que se tenha, sendo
queridinho das agências de publicidade, o skate vai continuar tendo sua vida
própria, sendo underground.
(PIERRE CALAÇA) - Foi
uma honra realizar aquele memorável campeonato de skate em sua companhia, no
ano de 1992, ao lado do Correio central. Qual foi o legado deixando por ele ao
skate pernambucano?
P – Foram buscar Pierre
foi!? Não só Pierre, mas várias pessoas ajudaram. Pessoal de Maranguape, da
Várzea entre outros bairros. Apesar da pouca idade, 16 ou 17 anos, metemos a
cara e fizemos. Na ocasião, junto com Pierre, eu me sentir na obrigação de
realizar o evento, pois vendia peças de skate, ou seja, tinha que fazer algo
por ele. Já que não patrocinava nenhum atleta, pensei em algo que contemplasse
a todos, Campeonato dos “Correios”. Divulgação foi boca a boca. Pierre fez a
correria, tanto é que a imprensa escrita e televisiva cobriu o campeonato. O
legado deixado é o exemplo de chegar e fazer, tudo com boa vontade. Veja, em
1992, sem grandes ajudas, se fazer um campeonato; o ditado punk fala por nós: “Faça
você mesmo”.
(JOAO NETO) - A gente é
de um tempo em que, no Recife, não havia pista de skate. Tudo acontecia nas
ruas. Além disso, as peças e equipamentos eram escassos. As lojas eram poucas e
patrocínios eram ainda mais raros. As coisas se davam na base do improviso.
Hoje parece que a vida do skatista ficou menos difícil. No entanto, certa vez,
você me disse com certo saudosismo que preferia como as coisas aconteciam
antigamente. Fale-me um pouco sobre tudo isso.
P – Rá, rá, rá. É como
eu falei, a gente tinha que brigar. Eu para andar nos “Correios” cheguei com um
skate ruim, mesmo sendo privilegiado. O shape passava pela mão de 10 (dez)
caras. O último andava com uma, duas até três barras de ferro no shape, rá, rá,
rá, o deixando bastante pesado. O que importava era dá o seu jeito para andar:
remendar o shape, fazer a sua lixa, improvisar seu material ser criativo. Hoje
se tem facilidade. Você pode escolher seu material nacional ou importado, na
cidade tem. E ainda é caro material de skate, então acontecem coisas que
vivenciamos lá tras.
(OG DE SOUZA) - São
várias estórias, Patrício. Agradeço a Deus pela sua vida e existêncica.
Gostaria de saber qual foi a sua reação e percepção a me ver andando de skate
pela primeira vez?
P – Rá, rá, rá… Fiquei
impressionado como todo mundo, isso nos anos 80. Para quem não o conhece, aonde
ele chega provoca admiração impactante; impressiona por sua força de vontade.
Ele passa uma vibração muito boa. Com todas as dificuldades já sabidas, chega
Og, no ano de 88, nos “Correios” causando admiração de imediato e sendo
abraçado com carinho pelos presentes. Minha relação com Og é de amizade desde
sempre.
(SAULO) - Como foi ter a
visão e saber que estava na hora de diminuir às rodas e os trucks? Como é a
sensação de olhar hoje e ver que você passou por todas as evoluções do skate e
foi um dos colaboradores para essa evolução em nosso estado?
P – Risos... Rapaz, a questão da evolução do
material, não tem como, vieram dos gringos e chegaram a mim através das
revistas. Os americanos faziam e o mundo copiava e ainda copia. Bom, na época o
acesso a vídeo era escasso. Quando chegava uma fita (vídeo) já era defasada,
rolando a dois ou três anos, e ainda sim era copiada inúmeras vezes, enfim
tinha que passar na mão de todos. Eu sempre gostava mais da fotografia.
Comprava revistas nacionais e importadas que eram referências. Elas chegavam
primeiro então eram mais atualizadas que os vídeos. Eu me apeguei a elas, criei
uma afinidade. Então era um tal de levar rodas ao torneiro para diminuir,
levantar o nose do shape com cola araldite, diminuir os eixos, tudo isso por
não ter onde comprar. Pasmem, ainda conseguir fabricar umas rodinhas. Em 1993 e
94 acompanhei a evolução das roupas largas, bermudas com bolso lateral, todos
olhavam pra você. A transição da basqueteira para o tênis, nós cortávamos as basqueteiras para fazer nossos sapatos. Depois bermudas curtas e as calças
apertaram novamente, e por aí foi…
(Mizinho) - O mercado do skate está
aquecido. Você contribuiu sobremaneira para esse mercado. O que te fez trazer,
no início dos anos 90, peças de skate de São Paulo?
P – A escarces, nos anos
80 quando queríamos uma peça tínhamos que ligar para São Paulo que mandava
pelos correios. Era uma dificuldade a aquisição de material. Não se tinha peça
pra andar de skate. Eu tive uma oportunidade de ir a São Paulo a trabalho, financiada
por meus pais, em 1990, vendi meu Fiat 147, aproveitei e comprei materiais de
skate. Não se tinha loja de skate em Recife. Foi acontecendo o comércio. Eu
enviava peças pra João Pessoa, Caruaru e outras cidades. Enfim, por conta da
instabilidade do mercado do skate e do plano Collor encerrei minhas atividades
empresariais.
(ADRIANO CALDAS) - Você sendo um dos
pioneiros e grande influenciador de algumas gerações, qual sua leitura a
respeito da atual cena do skate e onde ela chegará em relação ao que
vivenciamos?
P – É um Roda Viva (programa
da TV Cultura) mesmo, né. Buscar Caldas.
Agora tem muita gente olhando para ele. Mostra que não é brinquedo de
menino. Há um mercado próprio que gera muita grana, tá ligado. Nesse sentido,
ele puxa todo tipo de mídia. Antes as pessoas tinha um certo receio de sair de
casa com o skate em punho, pois eram tidos como tolos ou crianças. Hoje a
realidade é outra. As pessoas respeitam mais e até olham com bons olhos, ao
contrário de outrora. No que se refere à cena atual do skate no Recife, tem
muita gente andando e poucas pessoas trabalhando por ele.
(IVINHO) - O que você acha das pistas
que vêm sendo construídas em nossa cidade?
P – As pistas mostram
que a sociedade e a política notaram a força do skate. Entretanto, falta um
melhor trato na edificação delas. Se existe um braço político aberto para
realizar a obra tem que ser político também para chegar e extrair o melhor
resultado para o skate. Enquanto os skatistas não se organizar politicamente através de uma associação forte e coesa, as conquistas permaneceram escassas. O que
fizeram no Parque Santana é vergonhoso e estrago de dinheiro público. Agora se
essa associação de políticas concretas, certamente, o resultado seria outro.
Falar com voz altiva e com autoridade com esses “caras” para mudar essa
realidade de pistas amadoras. Acho um erro aqui não ter uma associação para
bater de frente a quem se opor ao skate.
(HENRIQUE, HC) - Toda essa veia
artística fervilhante que nós conhecemos em você vem do skate ou já existia?
Será que existiria o DJ King Dub, o fotógrafo Patrício, o blogueiro Master, o
organizador e locutor de eventos se o skate não cruzasse o seu caminho, nos
idos anos 80?
P – Não, existia não! Desde
garoto eu já gostava de arte; o menino que gostava de pintar e tal, mas que
nunca foi trabalhado. Ao ingressar no skate descobrir toda uma cultura. O shape
que tinha o model do cara, realizado por um artista plástico. Rodas desenhadas
com particularidades. As revistas de skate me fizeram pirá com as fotografias,
até hoje não deixo de vê-las e são referências na minha vida. Minha paixão
atual é fotografar o skate. E a questão do DJ veio do skate também porque ao
chegar nos “Correios”, nos idos anos 80, já tinha noção de música boa
(influências de meus pais) conheci o punk rock, reggae e o hip hop. Por conta
do skate que me tomava todo tempo, não conseguir tocar instrumentos musicais e
o hip hop descrevia muito o que era o skate de rua, tá aí a minha inclinação.
(CARLINHOS CLICK) - Patrício,
qual o motivo do seu sumisso do meio do skate e da fotografia do mesmo? E
quando tu vais arrumar uma mulher hein, Misera?
P – Nunca parei de andar
de skate. No bairro tem uma mini-ramp e uma área que dá pra fazer um
streetzinho, sozinho ou com os amigos do bairro. O fato de ter me distanciado
da cena se dá ao fato de ter ido trabalhar um pouco afastado do centro. E antes
eu era bem presente, pois trabalhava na Myllys, saia para fotografar na Aurora
e Marco Zero, então minha presença era uma constante. No que se refere à mulher
“que eu possa encontrar, ela também vai andar na lama de meu quintal”, rá, rá,
rá.
(BAIANO, ANTÔNIO) - O
skate influencia em suas composições musicais?
P – Claro! Influência
muito. O que me fez compor foi o skate fazendo uso do Hip Hop. Fico em casa
compondo no computador e sample, sempre a por algo orgânico que me remeta ao
skate. Faço inclusive uso sim do próprio som do skate nas nuances musicais.
(TROWPEÇO, IBURA POWER)
- O que te inspira para andar de skate até hoje?
P – A liberdade que ele
me proporciona A verdade que ele me oferta. A originalidade inerente ao skate.
O skate tem personalidade e você também tendo essa personalidade, pensamentos
firmes, carrega o skate consigo e não deixa nunca. Tenho 40 anos de estrada e
ainda permaneço no skate, por tudo isso.
(FÁBIO XAVIER, CASA
AMARELA) - Nos “Correios” você era referência de manobras e tendências no skate.
Seu Pop Shovit Tail Grab na capa do Recifezes me inspirou. Contudo, o que faz
da vida Patrício, hoje?
P – Agradeço a Fábio por
ter servido de influência, fico até emocionado. O pensar é o mesmo. Um grande
sonhador que se encontra na correria da vida. Trabalho como todo cidadão
brasileiro. A parte tenho minhas virações e projetos. A música hoje a tenho
como hobby e lazer. Tenho a estória da fotografia né, que me dedico com mais
intensidade, é isso.
Considerações finais:
P – Meus principais
amigos estão no skate. Poderia dizer que os gringos e os caras de São Paulos
são minhas influências, porém não são. Minha verdadeira influência vem de Irton
“Batman” que me ensinou a diferença entre brinquedo e o skate e ainda me
apresentou o ollie, Marcos Capacete e Lau, Adriano Caldas e Henrique Brayner
que me mostrou o nollie pela primeira vez, João Neto e Sandro seu Boneco, Saulo
que é amigo de bairro e Magui que é pura estiga, Henrique HC por seu
comprometimento. Ivinho, Mário e Júnior Oião pelo respeito e consideração.
Antônio Baiano pela arte do bem fazer. Entre outros que marcaram o skate pernambucano. Obrigado a
todos.
Antiga Praça Rosevelt em SP - 1991
"Eu tive uma oportunidade de ir a São Paulo a trabalho, financiada por meus pais, em 1990, vendi meu Fiat 147, aproveitei e comprei materiais de skate. "
Capa do Recifezes, Fanzine Recifense do final dos anos 80. Foto tirada nos Correios
"Eu pára andar nos “Correios” cheguei com um skate ruim, mesmo sendo privilegiado. O shape passava pela mão de 10 (dez) caras. O último andava com uma, duas até três barras de ferro no shape"
Foto da Borda dos Correios 1998
Narrando Campeonato em Caruaru no ano de 1997
Street pelas ruas de Caruaru em 1997
Narrando o lendário campeonato Nescau Radical no Clube Português em 1999
"O skate sempre teve vida própria. Ele é marginal, ele é alternativo, ele é underground e desde os anos 80 é visto dessa forma"
Narrando um Campeonato na Quadra do Arruda em 2000
Um puro Wallride na parede da Garagem da extinta CTU Recife - 2001
O tempo passa, mas o skate e o apelido não... Pai dos Correios em 2001 e 2011
"As revistas de skate me fizeram pirá com as fotografias, até hoje não deixo de vê-las e são referências na minha vida. Minha paixão atual é fotografar o skate."
Frontside Rockslide no Skateaprk da Aurora - 2011
"Meus principais amigos estão no skate. Poderia dizer que os gringos e os caras de São Paulos são minhas influências, porém não são."
"As pistas mostram que a sociedade e a política notaram a força do skate. Entretanto, falta um melhor trato na edificação delas."
Backside Noseslide no Skateaprk da Aurora - 2011
DJ King Dub em ação
"Fico em casa compondo no computador e sample, sempre a por algo orgânico que me remeta ao skate. Faço inclusive uso sim do próprio som do skate nas nuances musicais."
Pico do Rodão no Bairro do Pina - 2012
Ao lado de Helga Simões do Programa Skate Paradise da ESPN... Deu entrevista falando da sensação de ter visto dois grandes eventos de Vertical que aconteceram em Pernambuco, Alternativa skate Rock de 1989 e a Etapa do Circuito Brasileiro de Vertical em 2012
Foto feita exclusivamente para esta matéria no dia 05-11-2013...Ninguém melhor para mostrar os Correios do que o próprio Pai do local, Patrício Tavares.